domingo, 5 de abril de 2009

Nessa cidade onde nada (ou quase nada) acontece sempre procuramos o que fazer não é? Pelo menos eu não via nada acontecer. Disse bem não via, depois de me cansar de assistir os noticiários que só sabem ridicularizar todas as coisas medíocres que acontecem ao nosso redor (que por sinal não merecem muita atenção), comecei criar hábitos mais saudáveis como, ficar apoiado no parapeito da janela do meu apartamento esperando alguma coisa acontecer.
Quase nada que acontecia era muito importante, mas mesmo assim eu continuava esperando, esperando, esperando... Sim, eu esperei por muito tempo até encontrar uma coisa que realmente merecesse a minha atenção, e como não chamar atenção com aquele cabelo vermelho que mais parecia um cetim, aquela pele branca como uma folha de papel, o jeito engraçado de andar e seus fones de ouvido, ah como eu gostaria de saber que música tocava seus ouvidos, enfim, essa é apenas uma pequena introdução ao que eu quero chegar, antes vou enrolar um pouco com algumas outras coisas que vi.
Morava em um apartamento (como havia dito no começo) no 3º andar no centro da cidade, minha janela tinha uma vista incrível da pequena cidade, sua grande Catedral iluminada e seus fiéis entrando e saindo o tempo todo, um posto de gasolina com automóveis entrando e saindo o tempo todo, um hospital com pessoas entrando e nem sempre saindo (pelo menos vivas) o tempo todo e por fim, mas não menos importante uma faculdade com pessoas e automóveis entrando e saindo o tempo todo.
Como de costume depois de acabar o programa de culinária, me colocava a postos na minha “guarita” e ficava observando as pessoas que passavam pela rua. Alguns casais discutindo relação, alguns garis limpando as bitucas de cigarro que se suicidavam das mãos das pessoas, alguns cães, algumas velhas fofocando e muitos jovens dos mais diferentes tipos passavam por baixo da minha janela. Enquanto os dias se passavam e as pessoas (se) passavam comecei a reconhecer e fantasiar histórias sobre algumas delas.
PERSONAGEM I
A velha beata e seu guarda-chuva.
Toda noite por volta das 22h45min uma velha de cabelos emaranhados em um coque passava com seus passos miúdos, com uma sacola em uma das mãos e um guarda-chuva na outra. Podia não estar chovendo mais ela sempre estava com seu guarda-chuva, imaginei que ela fosse uma pessoa precavida, pronta para o que der e vier, sabe Deus o que ela carregava dentro daquela sacola. Talvez uma arma, pra ser mais exato uma metralhadora.
Sempre com uma expressão de quem comeu e não gostou, ela passava rezando um terço, parecia mais que ela estava em uma procissão do que a caminho para sua casa,que por sinal me parecia que cheirava à mofo, e lá estava seu marido sentado em uma cadeira de balanço com seu radinho escutando alguma coisa sobre política ou até mesmo uma radio-novela, esperando para que pudesse contar as novidades como o aumento do salário mínimo, as greves dos funcionários públicos e a ultima do casal protagonista da novela.
Eu sabia que ela estava saindo da missa, pois eles costumavam bater o sino às 22h40min e da igreja a minha casa levavam 5 minutos para chegar. Era incrível mais ela não faltava um dia, sempre com sua saia até os tornozelos, seu casaco de tricô (que provavelmente ela mesma fez) e seu guarda-chuva que por algumas vezes serviu de apoio pra ela subir o meio fio.
Agora entendo a real intenção de carregar um guarda-chuva mesmo em noites estreladas, a vergonha de admitir que ela precisasse de uma bengala.
PERSONAGEM II
O homem e a bicicleta.
Nunca soube distinguir quem levava o que, se era o homem quem guiava a bicicleta ou era a bicicleta que já havia decorado o caminho a percorrer. Ele sempre estava tão bêbado, com sua cara vermelha, seu paletó batido e sua barba por fazer. Parecia que ele não tinha muito que fazer, imagino que depois de sair do seu trabalho ele para no primeiro boteco e começa encher a cara, compra alguns doces para levar para as crianças pra compensar os gritos depois da bebedeira e as surras na sua mulher. Tinha uma cara de marceneiro, sempre estava empoeirado e com um saco na garupa que eu deduzo que seja de serragem e cavacos de madeira.
Passava sempre cantando, por vezes não entendia o que ele cantava mais depois de certo tempo concluí que fosse uma música do Fagner, aquela que é mais ou menos assim “Quem dera ser um peixe...” parecia sempre estar tão feliz.
De certo modo me apeguei a sua imagem, mais não tanto quanto a da terceira e ultima personagem, ela sim me fez fantasiar muitas coisas, muitas coisas... E que coisas.

Continua